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terça-feira, 21 de julho de 2020

Que fazer?


sábado, 21 de março de 2020

Quem lucra com a histeria?

Quem lucra com a histeria?

Um conhecido, pessoa que não vou revelar o nome, me telefonou alarmado em decorrência de uma foto acontecido em sua rua. Estava ele dormindo, quando foi acordado por um ruído da estridência de uma solitária panela, proveniente da casa do seu vizinho, o engenheiro Rui Seixas, que, coincidentemente, é um velho amigo de infância.

Preocupado, esse conhecido correu à casa do nosso Rui, imaginando que ele estava em perigo. Um assalto, um mal súbito ou até o agravamento da sua portentosa gota, o que lhe fez ficar conhecido como “pé de bolo”. Ao chegar, se deparou com uma cena inusitada: o Rui estava totalmente nu - pode haver visão mais horripilante? -, com uma panela em uma mão, um vidro sem rótulo de álcool gel na outra, olhos revirados de cobra d’água, cuspido palavras enviesadas, das quais se podia ouvir com muito esforço, “fora, fora”.

O cenário era surrealista! Inúmeras garrafas pet abarrotadas de feijão, arroz, farinha, espalhadas por todos os cantos da sala, e, presumidamente, todos os cômodos deviam seguir a mesma constelação ⎌artística. Olhando para o alto, o nosso conhecido se assustou, porque pensou ter visto muitas e imensas cobras, silvando assustadoramente para ele. De repente, uma vozinha assustada: “são linguiças e carnes defumadas penduradas!”. A pobrezinha que sussurrou era uma moça de mais ou menos 54 anos, possivelmente sua cuidadora, inferência em decorrência a idade avançada do nosso Rui.

Em dado momento, a porta da casa estava cheia de curiosos, e em meio a eles, alguém falava com a preocupações com os ratos, que já rondavam com olhares famintos e gulosos para o eldorado armazém do Rui. “Já não basta o coronavírus e também vamos ter de conviver com a peste bulbônica?”, salivou outro com a cara de saguim.

Não se preocupem, caros leitores! Tudo está sob controle, o Rui foi medicado com tranquilizantes pelo Samu, os agentes de saúde já confiscaram o perigoso estoque regulador, e a casa devidamente arejada e desinfectada com produtos confiáveis, já que o imenso estoque de álcool gel da casa era de procedência duvidosa, o que não é novidade para quem conhece o “mão de vaca” Rui Bolo.

Qual a lição que tiramos desse acontecimento?

O coronavírus é altamente contagiante, mortal para algumas pessoas que se encontram em faixa de risco, no entanto, comportamentos como esse não são eficazes na luta contra a pandemia.

Não é o momento para lutas políticas pelo Poder, uma vez que atitudes dessa natureza são oportunistas, que buscam ganhos políticos com essa terrível crise. Grupos políticos, seja de A ou de B, que fazem da crise uma oportunidade para o seu crescimento, em verdade só demonstram estreiteza de caráter político e um egoísmo imensurado. Criar crises diplomáticas, atos de exemplos irresponsáveis, criar histeria para o consumo visando argutamente provocar o desabastecimento de bens, dentre outros, são atitudes políticas irresponsáveis e criminosa. Para certos grupos políticos, cultivadores da máxima “quanto pior, melhor”, esse momento crítico   é a sopa no mel para seus propósitos, mas para a nação brasileira será uma catástrofe.

O governo está confuso, cometendo erros de avaliação, e as críticas são necessárias, mas as críticas construtivas. Nesse momento, atos de má fé que visam lucrar com a crise, seja de empresários sem escrúpulos ou de políticos ávidos pelo Poder, são levianos, irresponsáveis e criminosos.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

quinta-feira, 19 de março de 2020

O corona e a carona

O corona e a carona.

“Olhe, o Corona tem coroa. Quem tem coroa é rei. Sou coroa, mas não sou corona.  O Corona precisa de carona que é a mulher do Corona. Por trás de um Corona tem uma grande carona. Não dê carona ao corona!”
(Uma certa senhora)

Confesso que não sei se a citação acima é de uma determinada senhora. Os fakes se proliferam com a velocidade que deixariam qualquer vírus coranarius corados de timidez, causando um furioso ataque à lucidez das pessoas. E “haja fakes!”, ou melhor, vírus ideológicos que se encontravam dormindo em berço esplêndido, mas que ressurgem na forma de fake news, teorias de conspirações, paranóias e explosões de racismo e machismo. Entretanto, em meio ao um estilo literário um tanto extravagante, essa senhora tem razão em um ponto: não se pode dar carona ao Corona!

E como estão dando...

Empresários gananciosos - para a maioria dos capitalistas, essa frase é um pleonasmo! -, começam o processo de aumentar abusivamente os preços dos seus produtos, aproveitando-se para lucrar com essa terrível crise de saúde.

Políticos que se voltam de costas para população,
promovem o alarmismo, decretando medidas contraditórias, com o único objetivo de lucrar politicamente com a crise, do tipo, “lençol curto só cobre a cabeça ou os pés”. Como vamos entender as inúmeras limitações, como, por exemplo, a suspensão das aulas, se é permitido que as pessoas possam encher as praias, os shopppings, etc.? É aquela história do lençol, tira uma pessoa de uma sala de aula, permitindo que ela se misture com milhares de banhistas. Isso é lógico? Ora, na Itália onde a crise é grave, o governo ao impor severas limitações, proibiu às pessoas de irem às ruas. Entretanto, uma indagação: pelos dados atuais da disseminação do vírus, no Brasil será necessária medidas tão profundas?

Causou comoção na mídia, o fato do presidente da república sair do Palácio Alvorada para cumprimentar pessoas que protestavam contra o STF e o Congresso Nacional, fato esse, defendido por uns - como foi o caso das declarações do Ministro Barroso do STF -, e ojerizado por outros. Um ato de coragem ou de irresponsabilidade? O julgamento é do leitor, pois em ambas as hipóteses existem argumentos razoáveis e ponderáveis.

O mais preocupante, no entanto, é a sabedoria ladina de alguns políticos que, devido ao esquecimento motivado pela hegemonia noticiosa do Coronavírus, se preparam para a aprovação de leis controvertidas e lesionárias ao interesse dos trabalhadores e daqueles que são genuinamente patriotas.

O cardápio é imenso, desde de reformas finais da aposentadoria, retirada de direitos trabalhistas e vendas das estatais. Nesse contexto, o cinismo interesseiro do Sr. Paulo Guedes torna-se cristalino. O senhor Ipiranga afirma que para combater as consequências do terrível vírus, torna-se necessário a venda das estatais, acrescentando que vai irrigar dinheiro para as empresas, principalmente para as empresas médicas privadas. Ou seja: quem vai pagar a conta é a população, como sempre, porque o erário público é construído com o nosso precioso dinheiro.

Se o nosso cínico ministro da economia está acometido pelo vírus ideológico do individualismo possessivo, o mesmo não se dá com os seus colegas europeus, com exemplos expressivos da Itália, França e Espanha, uma vez que esses países já decretaram a possibilidade de estatizar empresas privadas e a intervenção no sistema de saúde privado. Esses ministros da economia são terríveis e maldosos socialistas que estão se aproveitando desse terrível momento? Não!!! Com exceção da Espanha que é governada por socialistas, são ministros que professam o liberalismo econômico, mas que perceberam que somente um Estado forte que induza à solidariedade pode enfrentar razoavelmente esse momento terrível que seus países enfrentam. Não um Estado máximo para os capitalistas e mínimos para o restante da população, mas um Estado que represente a população, forte na mediação dos conflitos, gerenciador dos nossos recursos estratégicos, hegemônico principalmente nas áreas da saúde e educação, uma vez a busca pelo lucro não combina com atividades sociais que é direito essencial de todos.

Se essa crise virótica está isolando as pessoas, mantendo-as confinadas em suas residências, por uma razão astuciosa da dialética, vetoriza a uma reflexão sobre a igualdade, a empatia e a solidariedade. É o terrível vírus dialectus, aquele bichinho  incrustado na cabeça das pessoas, desde o primórdio da humanidade, também comumente conhecido como o vírus do pensar. “Pensa eu, pensa tu, pensa voce..., pensamos nós”. Verbo que te quero verbo. O princípio é o verbo, diz a Bíblia. O verbo denota o ato de fazer, um fazer do ser humano que se somente individualista como querem os defensores do neoliberalismo, esse ato se transforma em uma guerra de todos contra todos, o império da lei do mais forte, um mercado político-econômico que impera a falsa liberdade de uma raposa livre em um galinheiro livre.

Essa crise, se não é a maior que a humanidade passou, é, pelo menos, a mais assustadora e geradora de medos, inseguranças e paranóias. Pela primeira vez, as pessoas estão confinadas, assustadas pelo contato mais próximo com outras pessoas, mesmo que elas sejam do seus círculos amorosos mais estreitos. Talvez, quem sabe, dessa prova dura de confinamentos, elas anseiem pela expansão das suas individualidades, buscando na empatia, o sentimento das dores dos outros, e na solidariedade, o fazer comum e compartilhado em busca de soluções integrativas mais justas e de comum humanidade. Assim é possível que se tornem verdadeiramente cristãs, uma vez que para o Nazareno, o verbo que principia o fazer era conjugado primeira pessoa do plural, um ato coletivo onde o peixe e o pescado é repartido por todos em igualdade.

Talvez comecem a perceber que a busca pela igualdade é o motor dialético das mudanças, sendo a liberdade o instrumento coletivo para consegui-la. Ante a liberdade predadora da ave de rapina do neoliberalismo, o voo livre e harmônico das gaivotas solidárias que primam por uma liberdade guiada pela empatia, pois as dores e prazeres são comum a todas. Um voo globalizado, não somente de mercadorias, mas de direitos conquistados e partilhados, como uma rede global de saúde, educação e distribuição de renda.

Isso é socialismo, comunitarismo? Pouco importa os “ismos”, pois antes de tudo é ser verdadeiramente cristão. Uma nova homilia? Não, apenas o retorno às catacumbas onde ainda ressoavam a voz do Mestre.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

sexta-feira, 13 de março de 2020

A mulher

A mulher

Ao completar oitenta "e lá vai fumaça", uma idade plenamente morrível - apesar que ao nascer todo vivente entra na faixa do morrível, embora quase ninguém perceba essa verdade -, viúvo uma vez e namorado várias vezes,  nesse momento, tenho a plena certeza que viver não necessariamente significa sobreviver. Olho para o jardim da vida, onde as rosas e urtigas entre “tapas e beijos” convivem, sonhos e dores gritam em sinfonia caótica como em um bando de chipanzés em cio, gosto dele, do seu perfume, e a sua incompletude me anuncia que já fiz o bastante como um elefante velho que segue seu bando, mas os sonhos - esses filhos da puta teimosos -, insistem na magnânima ideia que, enquanto houver uma mínima brisa de ar respirável, sou um Romeu à procura da Julieta livre, e quando a encontrar, um Otelo sem paranoias psicóticas, convivendo, amando, uma Desdêmona “vivinha da Silva”, cheia de fantasias e amor.

Em minhas andanças por esse mundo a fora me deparei com muitas coisas que fariam uma mula sem cabeça ser tão normal quanto ao pio de uma coruja em noite cheia de breu.

Uma certa vez, em um certo interior litorâneo, aluguei uma casa para uma temporada, que me informaram ter sido de um casal oriundo de Minas Gerais. Me contaram que após o marido morrer, a companheira mudou-se e nunca mais se tinha ouvido falar dela.

Percebi que havia uma velha estante na sala, preenchida por alguns livros, segundo o atual proprietário, eram do antigo casal, e como eram bonitos foram ficando, ficando, até virar patrimônio da casa. Possivelmente, nenhum inquilino leu, pois eram escritos em alemão, língua não muito próspera em nosso país.

Certo dia, comecei a folhear alguns deles, e em um certo volume, intitulado Der Kapital, de um certo Karl Marx, encontrei uma curiosa carta. Aliás, curiosa não seria o adjetivo certo, uma vez que pelo teor era algo que iria mexer com meus sentimentos para sempre.

Deitei prazeirosamente na rede e li:

"Sou uma mulher plenamente feliz

Estou fazendo esse texto, meu amor, para que todas as vezes que não estiver presente me sinta nas palavras que correm livres, o meu grande amor por você. São palavras singelas, sem maiores pretensões, pois não tenho o seu dom da escrita, esse conjunto maravilhoso de frase que um dia me fez sentir o toque da sua paixão.

Como você sabe, fui criada por uma família tradicional com valores que orientavam o que uma mulher honesta deveria fazer ou não. Ao passar do tempo, percebi que esses valores não eram meus e nem da maioria das mulheres, mas coisas que colocaram em nossa mente e que repetíamos como se fossem nossas. Quando dizia “eu sou assim; gosto disso; isso é pecado”, na verdade estava a dizer o que a má tradição - embora exista a boa tradição - queria como  me comportasse. Lembra da dialética do Senhor e o Escravo, daquele filósofo alemão? Pois é: eu era uma escrava que dizia ser meu, os pensamentos do Senhor.

Lutei muito contra esses valores, muitas vezes com muita dor, mas a dor está sempre no presente e deve ser ultrapassada, e depois dela vem o sentimento de liberdade. Sempre senti, que mesmo que amasse muito um homem, o meu corpo era a minha conquista de prazer, e nada ou ninguém terá o direito à exclusividade sobre ele. Sempre sonhei com um companheiro cúmplice dos meus prazeres e fantasias, um homem que entendesse que a mulher tem uma grande amplitude sexual, jamais sonhada pelos machistas, ou mesmo, infelizmente, por inúmeras mulheres que pensam que são felizes, mas sempre estão depressivas, e como fuga das suas infelicidades, comem em demasia, são consumistas e escravas de um cartão de crédito. Ou pior: em vez de buscarem na religião os valores de solidariedade e da irmandade, nela procuram uma fuga para as suas infelicidades.

Depois de muitas relações frustradas com muitos homens infelizes e machistas, você apareceu, meu amor, assim como um bom anjo  que lhe anuncia a felicidade. Depois de tantas “bebidas amargas”, de alguns relacionamentos desfeitos, como disse o poeta Chico, você “foi chegando sorrateiro, deitou em minha cama, e me chama de mulher”. É verdade. Você nada perguntou, não indagou sobre o meu passado, apenas me presenteou com palavras que apontavam para o futuro. Que palavras, meu amor! Elas falavam da liberdade da mulher, da sua abertura para o mundo, de seus prazeres inocentes que davam prazer ao seu corpo, das suas imensas fantasias que sempre foram mal entendidas, e muitas vezes, as mulheres que ousaram, foram jogadas nas fogueiras, apedrejadas, tidas como putas, sob o escárnio da população. Mas como disse Jesus, eles atiram as pedras porque esses “pecados” estão em suas cabeças, e, no fundo, esses homens apedrejadores só se sentem motivados com as mulheres livres, e não é à toa que ao se desmotivarem das suas mulheres-propriedades, ele as traem com as mulheres livres. Ao contrário dos homens que conheci, você, meu amor, me motivou para ser uma verdadeira mulher, uma loba que caça prazeres, mas sempre apaixonada imensamente por você. Nunca esqueço as suas palavras: “você, meu amor, não é uma mulher safada, uma puta, ou qualquer adjetivo desqualitativo. Você é apenas uma grande mulher!”.

Assim, meu grande amor, saio ao seu lado para curtir as fantasias, sem medos ou culpas, e que se dane os infelizes invejosos. Nos amamos e somos cúmplices, e isso é que importa. Você me faz a mulher mais feliz do mundo, sempre lhe disse isso, e não custa nada repetir sempre.

Te amo

Sua loba"

Depois da leitura, acho que dormi, acordando com uma lambida de uma velha cadela de rua que sempre passou por aqui em troca de um pires de leite.

Olhei para ela e disse: "bom dia, loba". Ela abonou o rabo, deu meia volta e se foi.

Só digo uma coisa: depois desse texto, as mulheres são consideradas por mim como o centro do mundo. A origem, o meio, o fim.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

O axé coronado

O axé coronado

Vírus é vírus e não é tarefa fácil enfrentá-los. O pior é quando dois vírus se associam, sendo que um pode potencializar o outro, o que pode ser o caso prejus vírus e o corona vírus. O primeiro, o prejus, pensava-se já extinto em decorrência da ação do Ministério Público que observou a existência de graves irregularidades na administração dos recursos públicos, oriundos de emendas parlamentares que alimentavam o voraz apetite do vírus pelo erário público. O bicho era insaciável, pois não só comia o dinheiro público, como transformava o espaço público em área privada. Bicho danado! Entretanto, ao que parece, as medidas profiláticas não eliminaram os núcleos protéicos do vírus, e o danado está voltando com toda a força, assim como o corona vírus, mais coroado.

Por falar em coroa, o nosso Rei Edvaldo - segundo as más línguas, ele reina, mas quem governa mesmo é o Sr. Laercio Oliveira -, abandonou a zabumba, um resquício plebeu, para virar o rei momo do axé music. Dessa maneira, o nosso ex-foguinho e ex-zabumbeiro, que agora ostenta o pomposo apelido de “asfaltador das ruas das ilusões”, sob aplausos dos irmãos empreiteiros, entrega as chaves da cidade ao Fabiano, o famoso empresário dos prazeres gerais, para que o dito cujo implemente o turismo aracajuano, mesmo que a Orla de aracaju, o Parque da Sementeira, a Orla do Por do Sol, o Calçadão da Treze de Julho, as inúmeras praças da cidade estejam em completo abandono, deterioradas e parcialmente destruídas. Contradição? Pode ser, mas o que dizer de uma cidade que se diz turística, que em pleno período turístico, os bares fecham na segunda feira?

Se estamos todos alarmados com o avanço do corona vírus, e se pode haver uma associação com o vírus axé coronado, que em Aracaju tem o nome de prejus vírus, então cabe uma análise mais aprofundada, e ninguém melhor que Miguel da Musuca para fazê-lo. Diz o nosso sábio da Musuca:

“O axé coronado nasceu na Bahia, um projeto genético das elites preconceituosas baianas que viam no antigo carnaval baiano uma herança popular da idade média, onde a sátira, a ironia e o riso eram fatores destrutivos da seriedade hipocrita dos “bem nascido”. Então nada melhor que um carnaval da exclusão, onde os que se julgam melhores e superiores dançam protegidos por cordas e seguranças e nos camarotes de luxo. Quanto ao povão foi criado a “pipoca”, local onde se comprimem dez pessoas por metro quadrado - os denominados “mal nascido” -, todos embalados por uma música ensossa, repetitiva e sonolenta. Assim, o que esperar de uma acarajé sem óleo de dendê, pimenta e um bom camarão seco? Revolta, raiva, descrença, e por conseguinte, a violência dos excluídos é inevitável, pois o carnaval de rua é de todos e para todos, sem alguma distinção”.

Devo dar razão ao mestre Miguel da Musuca. O espaço público não pode ser privatizado para gerar lucros para o seleto grupo de empresários. Se eles querem realizar seus eventos, que os façam em áreas privadas, locais que possam rentabilizar seus lucros, através de seus variados serviços. É inadmissível, porém, o uso do espaço público e de verbas do erário para engordar seus grandes lucros, uma vez que as referidas verbas devem ser destinadas a eventos culturais públicos, como o carnaval, por exemplo, o que possivelmente não irá acontecer, pois o nosso ex-zabumbeiro está mais preocupado em agradar os empresários, formentando um grande núcleo de apoio para sua reeleição e para a futura eleição do seu grande mentor, o Sr. Laercio Oliveira.

O leitor mais ansioso está a perguntar: onde entra o corona vírus nessa história? Ora, como falam os especialistas do assunto, quanto maior a concentração de pessoas por metro quadrado, maior o risco de contaminação, e raciocinando dessa maneira, os pipoqueiros populares que são comprimidos como sardinhas em latas, evidentemente, serão os alvos preferenciais do corona vírus, esse terrível bichinho que possivelmente será transmitido por algum “bem nascido”, porque somente essa categoria de folião tem o privilégio de ter ido ou conhecido alguém que foi à China.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Um homem sem qualidade

O homem sem qualidade.

A cidade de Itabaiana inovou. Que cidade arretada, falam uns; que sacrilégio, dizem outros, pois, não é para menos, a polêmica criada em torno da inovação de uma bienal de livros em um shopping center que teve como momento inaugural, a exibição de um filme sobre a vida gloriosa do Bispo Macedo, que, aliás, obteve uma grande estante, ornada com seu livro bibliográfico. 

Foi um salto corajoso dos organizadores do evento, admito. Fosse na Europa, os protestos seriam rumorosos, e mesmo na Terra do Tio Sam, um evento como esse não seria muito bem recebido, uma vez que os nossos irmãos do Norte são muito conservadores para certas coisas. Certo ou errado, o evento, segundo várias testemunhas, foi um sucesso de vendas, pontificando os livros de  auto-ajuda dos nossos psicólogos escritores - me ajude que lhe ajudarei -, e a apoteótica venda do livro do Macedo.

Apesar do nosso Ariano Suassuna está se remexendo no túmulo - ele era um radical -, uma importante indagação deve ser feita: “oxente, gente, por que não se pode fazer uma bienal de livros em um shopping? Que importância existe a ajuda financeira disfarçada da Igreja Universal, mesmo sendo o Peixoto do shopping, irmão do Padre Peixoto, católico ferrenho da velha guarda? Afinal, um livro não é uma mercadoria e os leitores não  são consumidores, a despeito das fronteiras ideológicas e nacionalistas?”

Para responder essas perguntas, nada melhor do que dois intelectuais ceboleiros, Antônio Samarone - o grande líder da expedição Serigy - e nosso Zé do Mercado, opiniões, que ao meu ver, entram em harmonia em alguns momentos, discrepam em dissonâncias, por vezes, mas elucidam, informam com substância.

Zé do Mercado, um socialista da velha cepa, descasca a cebola: 

“Inadmissível uma bienal de livros financiada pelo Capital evangélico, transformado os transmissores de cultura em meros objetos comerciáveis. Esse evento foi a demonstração clara da força da ideologia neoliberal, que transforma as pessoas em meros consumidores sem consciência dos seus papéis diferenciadores no mundo. Esses organizadores do evento, embora vestidos com o manto de divulgadores culturais, objetivaram tão somente a venda dos seus livros, uma bela coçada nos seus egos, usando os poetas populares, cordelistas e memorialistas ingênuos, como simples figuras decorativas”.

Já o nosso Samara, homem com refinamento filosófico, usa uma dialética senoidal - a dialética de picos alternantes -, possivelmente, quem sabe, influenciado pela filosofia do talvez de Nietzsche, um círculo de retornos de negações e afirmações.

No seu primeiro artigo, Samara cita Vargas Lhosa, Deneault e Robert Musil para defender a literatura crítica dos ataques da indústria do divertimento, ressaltando o seu medo ao medíocre, com a citação do Musil, conceituando a pessoa medíocre: “O que faz de melhor uma pessoa medíocre? Reconhecer outra pessoa medíocre. Juntas se organizarão para puxarem o saco uma da outra, vão se assegurar de devolverem favores uma à outra e irão cimentar o poder de um clã que continuará a crescer, já que em seguida encontrarão uma maneira de atrair seus semelhantes.”

Mesmo que em outro artigo posterior, nosso Samara enalteça “o espírito comercial aguçado” do povo ceboleiro, afirmando que “com jeito e sabedoria vende-se tudo”, o filósofo serrano nos legou belos momentos reflexivos, principalmente quando dá ênfase às palavras do Musil. É preciso entendê-lo em seus circulares eternos retornos, pois o nosso António Samarone é a versão ceboleira do Übermensch nietzscheano, um super-homem em busca do seu Zaratustra - espero que ele entenda essa afirmação como um elogio e jamais como ironia.

Samara é um espetáculo à parte - sou seu fã de carteirinha -, e mesmo premido ao elogio, algo dentro dele, leva-o à negação, não importando a ordem cronológica dos seus dizeres. É desta maneira que saboreio a sua citação do Musil sobre a mediocridade. Estaria ele a dizer que o nossos propulsores culturais se organizam “para puxarem o saco uma da outra,  se assegurando “de devolverem favores uma à outra e irão cimentar o poder de um clã que continuará a crescer”? Trocas de favores, premiações cruzadas, monopólio dos circuitos financeiros, criações indiscriminadas de academia de letras com escritores que mal escrevem um telegrama, não seria isso que o nosso Samara está a denunciar? O nosso grande ceboleiro não estaria nos dizendo que o lógico seria primeiro criar escritores para depois formar academias, pois, ao contrário, essas academias só serveriam para os interesses econômicos e devaneios vaidosos dos medíocres?

Essa bela reflexão do escritor Robert Musi, ofertado pelo nosso Samara, foi retirada das reflexões sobre o personagem Ulrich do livro “Um homem sem qualidade”, uma criação tão bela quanto complexa, uma obra que se rivaliza com Ulisses de Joice, quanto à complexidade das suas quilométricas páginas. No entanto, para o erudito e complexo Samara, nada melhor do que uma citação de um livro complexo que denuncia a crescente mediocridade no mundo. 

Ivan Bezerra de Sant’ Anna


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A escolha de Moro

A escolha do Sr. Moro.

Acho que nesse momento, se arrependimento matasse, o Sr. Moro estava mortinho da silva, uma situação lamentável, mas que talvez o salvasse de caminhos pedregosos que possivelmente irá trilhar.

Ele era feliz e não sabia! Seu nome era sinônimo de coragem e renovação das práticas jurídicas, pois pela primeira vez na história, um juiz enfrentava quase toda a camarilha corrupta nacional, composta de grandes políticos, empresas poderosas e integrantes do Judiciário coniventes e corruptos.

Não era unanimidade nacional, mesmo porque os juristas ligados aos velhos esquemas de corrupção, a Ordem dos Advogados do Brasil, uma tal Associação dos Juízes pela Democracia, não lhes davam tréguas, todos essas organizações devidamente aparelhadas pelo lulismo. Isso para não falar no Supremo Tribunal Federal, que há muito tempo - tempos do lulismo - deixara de ser um tribunal constitucional, com as devidas limitações que esse nobre encargo exige, para ser um poderoso órgão político, em constante processo de sub-rogação, algumas vezes como Tribunal de apelação de 3º grau, outras vezes como legislador negativo e positivo, e pasmem os senhores: nem um simples juiz ou um delegado de polícia conseguiram escapar do fenômeno de incorporação mediúnica da sub-rogação de vaidosos “ministros” com suas decisões monocráticas. Esse fenômeno era tão evidente, que levou um ministro afirmar que “com tantos princípios, eu deito e rolo”. E rolou mesmo, Benza Deus!

Quando os protestantes, os evangélicos operadores Juridicos, que muitas vezes usavam a crença das suas verdades subjetivas para esconderem os seus pragmatismos deploráveis, lhes acusavam de ser um juiz político, parcial, você pouco se importava com essas acusações, porque sabia que em um sistema jurídico em que um juiz penal dá suporte às investigações policiais, torna-se prevento para as instruções criminais e ao mesmo tempo vai ser o juiz sentencial, é impossível não existir convencimentos prévios  e acordos com promotores. Essa é a realidade do nosso sistema penal, e é bem possível que nenhum juiz penal fuja à regra, mesmo porque como juiz penal tem que se ater à verdade real, reservando-se para exercer o instituto da imparcialidade no procedimento de julgamento, dando todas as garantias da ampla defesa e julgando em base de provas razoáveis. É uma tarefa hercúlea e desumana, e não é sem razão que em outros sistemas jurídicos existe o juiz de instrução e o juiz de julgamento, como, na Itália, por exemplo.

No entanto, Sr. Moro, a vaidade toldou os seus olhos quando aceitou a missão política de ser superministro do Sr. Bolsonaro. Há que afirme que sua vaidade já era por demais evidente, quando, na época em que era juiz, esqueceu a discrição judicial e desandou a dar entrevista, opinando sobre matérias que deveriam estar protegidas pela discrição. Mesmo não concordando com as suas práticas publicitárias, você o fez para buscar legitimidade popular, procedimentos que encontram em Sr. Gilmar Mendes e outros ministros, um professorado digno de qualquer publicitário, que usa a malícia, a fofoca para fins comunicativos, onde a perversão é o principal instrumento para destruir reputações.

 Meu caro ex-juiz Moro, essa vaidade lhe transformou em uma criança com um pirulito nas mãos que qualquer malandro pode surrupiar. Como não percebeu que o governo Bolsonaro era composto de grupos divergentes, dentre eles, o do Sr. Paulo Guedes? Como não percebeu - ou não quiz perceber -, que o Paulo Guedes já era investigado por supostas corrupções com os fundos de pensões, acusado de ser sócio secreto do Banco Bozano? Não era estranho que o Sr. Guedes era apelidado carinhosamente por pessoas ligadas ao Presidente, como o Sr. Ipiranga, uma clara referência ao Grupo Ipiranga, operador de postos de gasolina? “Onde posso encontrar o Paulo Guedes”, perguntavam alguns. “Lá no Posto Ipiranga”, gracejavam outros.

 Você foi muito ingênuo, Sr. Moro, quando não percebeu que o Sr. Guedes, apesar de ser nomeado pelo presidente para mudar o Brasil, ele sempre teve objetivos bem delineados, sendo o primeiro, mudar o sistema previdenciário para desonerar o empregador, e com o sistema de capitalização, dar grandes lucros aos Bancos, aos quais é ligado. E o segundo, vender as estatais, principalmente a Petrobras, coisa que agradaria muito o Grupo Ipiranga e as demais empresas petrolíferas. Só um cego não via isso, uma vez que o Sr. Guedes sempre foi tido como um medíocre “chicago boy”, um crente desonesto que nenhum governo o queria por perto.

 Como você foi incapaz de ver o desenho futurístico do atual governo, o Paulinho lhe fritou com Óleo de soja. Você acha que o COAF foi retirado do seu ministério, sem que houvesse a negociação manhosa do Sr. Guedes? O que você acha de algumas declarações do ministro Ipiranga, realizadas em algumas palestras, afirmando que o Sr. Lula foi condenado sem provas? Nunca foi informado que o Paulinho mantém estreitas ligações com políticos denunciados como corruptos? Você achava mesmo que seria um superministro, o homem preferencial do Presidente Bolsonaro? Que ingênuo! Enquanto você desfrutava da sua popularidade passageira, Guedes negociava a governabilidade com os caciques corruptos do Congresso, oferecendo sua cabeça em uma bandeja de prata.

 A Operação Lava a Jato está no fim, Moro. Infelizmente lhe usaram como a maior bandeira eleitoral, estandarte que deu ao candidato Bolsonaro legitimidade e prestígio na sua cruzada contra a corrupção. Se o Presidente, nesse momento, pouco está importando com a luta contra a corrupção, imagine o Sr. Guedes, homem que sempre conviveu bem com políticos corruptos, e dela sempre se beneficiou.

 Os sinais são claros: varias decisões monocráticas dos ministros do STF sinalizam o fim da Lava a Jato, assim como a lei de abuso de poder - modificada com a finalidade de assustar juízes e procuradores, impedindo-os que efetuem investigações rigorosas -, vai ser uma boa arma de proteção aos corruptos. O contra-ataque dos poderosos grupos políticos, encastelados no Congresso Nacional e no STF, é cirúrgico e eficaz.

 “Depois de mim, só restará o caos”, disse certa vez, o Presidente Bolsonaro. Essa profecia, infelizmente, poderá se realizar. Com os constantes ataques ao Sr. Moro do grupo de Paulinho Ipiranga, a saída do superministro é esperada. Com o Sr. Moro se vão as esperanças de um Brasil sem corrupção. As velhas lideranças, inclusive o Sr. Lula, voltarão a dar as cartas, restando a desesperança, o ódio rancoroso das massas, e nesse cenário, tudo será possível.

 Ivan Bezerra de Sant’ Anna